2022. Bem-vindos a uma das mais difíceis vindimas de sempre

Vamos lá ver. Tornou-se um lugar comum dizer que não há vindimas iguais. E que todas foram desafiantes. E o que o ano, apesar de tudo, promete vinhos espetaculares. Pois… Claro que não há um ciclo da vinha, um timing ou uma decisão que se repita, é assim a vida neste mundo da viticultura, sobretudo em tempos de episódios climáticos extremos. Mas neste – aparentemente – maravilhoso mundo da enologia também há a realidade, o caos, os dias de indefinição em que simplesmente tudo corre pior do que o normal. E a vindima de 2022, sejamos honestos, entra para top das mais difíceis de sempre. Ponto.
A 21º colheita da minha vida deu os 16.000 Kms que nos últimos anos têm sido frequentes, a saltar de adega em adega, de região a região, numa aventura intensa que, apesar de tudo, é a parte que podemos controlar. O que não se controlou foi a seca brutal e o stresse hídrico a que as vinhas foram sujeitas (exceto onde pudemos regar), o escaldão e os estragos em muitas castas. A vindima começou mais cedo. No Alentejo, na Herdade Grande, começámos em Julho, naquela que foi a colheita mais precoce de sempre. Apesar de tudo com fruta boa, porque a viticultura estava mais adaptada e temos rega disponível. De alguma forma, conseguimos atenuar o impacto das ondas de calor.
Nos Biscoitos da Terceira, nos Açores, perdemos boa parte da uva devido às tempestades. E no geral, as vindimas arrancaram num cenário de maturações irregulares, que nos obrigaram a correr para colocar uvas na adega, e depois a parar, e depois a correr novamente, tornando muito mais complicada a já stressante tarefa das equipas, na vinha e na adega. No meio desta indefinição, em Setembro caiu um dilúvio em quase todas as regiões. A chuva não teve grande impacto onde já tínhamos colhido quase tudo, mas na generalidade dos projetos havia ainda muitos tintos na rua.
E foi assim que 2022 entrou diretamente para o top das piores vindimas de que me lembro Diz-se que é o ano da enologia, em que o trabalho de adega mais do que nunca se impõem. Mãos á obra. Importa ver como evoluem os vinhos, tomar decisões e excluir o que há para excluir, sobretudo se queremos manter a bitola elevada nas principais referências. O volume de vinho engarrafado vai ser muito menor, desde logo porque na generalidade dos projetos tivemos quebras de produção na ordem dos 30% – e só por aí temos que ter consciência do está em causa, sobretudo num cenário que já não era fácil, devido ao aumento exponencial dos custos de produção, da energia, dos materiais de adega, tudo!
Mais do que a vindima, é o negócio que se torna ainda mais desafiante. Também ao nível da mão de obra, porque as equipas envelhecem e a verdade é que não existe a força de trabalho disponível de outros tempos. Por entre as dificuldades temos sempre novidades entusiasmantes. 2022 é ano em que participo em dois novos vinhos de talha puros, um branco e um tinto, feitos em Reguengos com uma grande amiga e colega de enologia, com quem estou cheio de ideias para o futuro. Em breve falamos mais sobre isso. Entretanto lá estamos nós na adega, a trabalhar os vinhos de 2022. Ano desafiante, que apesar de tudo promete vinhos espetaculares. Pois… parece-me tudo menos um ano para história, em que muito provavelmente os brancos vão sair uns furos acima dos tintos. A ver!