Viagem

Back to USA III. Napa Valley a fervilhar, 19 anos depois

Napa Valley, 19 anos depois. Passaram 19 anos desde a minha vindima na Franciscan, em 2003, quando me lancei em quatro meses de aventura americana com uns amigos e colegas do ISA, com o objetivo de testemunhar todo aquele entusiasmo que fervilhava nas grandes adegas do vale. E agora aqui estou de volta a Napa Valley, no final desta nova incursão à América. A sentir que Napa é assim, a fervilhar; e que é sempre bom regressar a um local onde já fomos felizes. Mesmo. Seguem os destaques:

 

Quintessa

Esta é provavelmente a minha adega preferida em Napa. Pela arquitectura, pelo enquadramento paisagístico, pela agricultura biodinâmica e, fundamentalmente, pelos vinhos. A adega está em Rutherford Hill, um dos melhores distritos de produção dos vinhos de Napa. Foi sempre um projecto em agricultura biológica, logo desde 1989. E isso espelha-se na biodiversidade da sua paisagem. A adega nasce no topo de uma encosta, num perfeito equilíbrio entre a construção do edificado e a paisagem. Na adega tudo se faz pela gravidade e existe um respeito absoluto pela fruta e pelo seu potencial.

Em 2003 só se fazia aqui um vinho, o Quintessa tinto. Hoje já existe mais um, desta vez um branco, o Illumination, um 100% Sauvignon Blanc que é um sonho. Somos recebidos pela enóloga chefe, Rebekah Wineburg. Com uma pessoa que tem Wine no nome, a coisa só podia correr bem. A Rebekah mostra-nos toda a propriedade. Fazemos uma visita num carro de golfe pelas vinhas e ficamos deslumbrados com a paisagem. Depois entramos na adega e vamos percebendo o modo como se trabalha ali, sempre a tentar respeitar ao máximo o caracter de cada parcela. Hoje já vemos mais cubas em cimento e menos balseiros de madeira – e isso sente-se nos vinhos, que deixaram de ser aquelas bombas de concentração e de barrica para serem vinhos muito mais elegantes, mas sempre com o devido carácter de Napa.

O branco vem de parcelas novas onde se ensaiou o Sauvignon Blanc, com fermentação parcial em ovo de cimento e o resto em barricas de carvalho francês. Pura classe, nada de exotismo, tudo muito complexo, e com bastante finesse. Mas a estrela foi mesmo o Quintessa. Provámos 3 colheitas diferentes: 2016, 2018 e 2019. Claramente o 2019 é uma colheita superior, temos sentido isso ao longo de todas as visitas e aqui também esse ano se evidencia como o mais complexo. Cabernet puro, com a raça do costume, mas sempre com uma boa acidez que lhe confere imensa profundidade. Que vinho enorme.

 

Opus One

Talvez a mais icónica adega de Napa Valley, que nasceu fruto de uma parceria entre duas lendárias famílias do mundo do vinho: Mondavi e Rothschild. Ali tudo é em grande, desde os blocos de pedra à imponência da adega, tudo feito para impressionar. Ali vemos entrar comitivas de turistas de todas as nacionalidades. A sala de provas é gigante, para acolher a quantidade de pessoas que querem conhecer o projecto. Provamos o novo Overture, vinho feito com mistura de três colheitas diferentes. E ainda três edições diferentes do famoso Opus, 2012, 2016 e 2018. Os grandes vinhos nascem assim, nos pequenos detalhes e com grandes histórias.

Gandona

Quando subimos pelo monte Pritchard Hill encontramos o lago Berryessa. A paisagem é familiar, faz-me lembrar o coração da Beira Alta, com a barragem do Meimão ao lado. Vamos à Gandona, adega relativamente recente em Napa e que é propriedade de um português, Manuel Pires. Um duriense que se encantou com esta magnifica propriedade e que resolveu começar a fazer vinhos aqui. Tem como consultor o famoso enólogo Philipe Melka e uma adega moderna e bem equipada para puxar pelos seus Cabernet. Belos vinhos, intensos e onde se sente o lugar. Também tem umas linhas de Touriga Nacional plantadas – veremos no futuro o que pode sair dali. Nos vinhos tem um Chardonnay com fruta de Sonoma, fresco e vibrante, um tinto Encosta, que será o vinho feito com as segundas escolhas de cada vindima e o Gandona, vinho que recebe a melhor fruta da propriedade e que ambiciona estar um dia entre os melhores vinhos de Napa Valley.

 

Artesa

No segundo dia estamos em Carneros, a sub-região mais fresca de Napa e onde o Pinot Noir e o Chardonnay são reis. A adega é a Artesa, foi feita pelo grupo espanhol Cordorníu, especialistas em Cava e no início foi desenhada para fazer isso mesmo, espumantes. Hoje ainda os fazem, e muito bons, mas na realidade aquilo que os tem distinguido são os belíssimos vinhos de parcela que enriquecem o seu portfólio: somos recebidos pela Ana Draper, enóloga portuguesa que já está em Napa Valley desde 2004. Visitamos as instalações, ficamos deslumbrados com a paisagem. Carneros fica numa zona de montes e colinas e é incrível ver como o terreno se enche de vinha.

Provamos toda a gama do projecto, cortesia da querida Ana, um Alvarinho surpreendente, um Aragonez muito fresco, as influências Tugas num universo dominado pelas variedades francesas. Mas os vinhos que me deixaram de queixo caído foram alguns dos vinhos de parcela: Chardonnay Hyde Vineyard, uma das mais lendárias vinhas de Chardonnay dos USA, e o Pinot Noir Block 12, um Pinot de pura elegância, sedoso, com um final longo e incrível. Para o fim um vinho em pré lançamento: um 100% Cabernet Sauvignon de Mount Veeder, uma bomba. Intenso, estruturado mas sempre com uma belíssima acidez que o torna vivo e incansável. Que grande visita Ana, obrigado e até breve.

Melka Estates

Philipe Melka é um enólogo francês que há muito que se mudou para os USA, onde é um dos principais consultores de enologia da actualidade. Juntamente com a sua mulher, Cherie, americana e também enóloga, resolveram criar a Melka Estates. Uma adega boutique, muito bonita, na Silverado Road. Aqui, com o saber acumulado de mais de 26 anos de experiência em Napa, fazem vinhos de terroir, buscando as origens que mais lhes agradam. Somos recebidos pela Sylvie Laly, responsável pelo Marketing e vendas. Uma extraordinária host, que nos mostra tudo e explica com detalhe a origem de cada uva que compõe cada lote. Sinto-me em casa, somos recebidos calorosamente e a explicação é enriquecedora. Estes tipos andam há anos a estudar os solos e as diferentes parcelas que compõem este terroir tão especial de Napa. São incansáveis, admitem que ainda não sabem nada e que querem estudar e aprofundar ainda mais. Uma grande inspiração. Nice job Philipe!

E à mesa…

Ao almoço paramos no meio do vale, na Oakville Grocery. Um must na região, para além de terem todos os grandes vinhos de Napa, têm um forno a lenha onde fazem umas pizzas incríveis e ainda umas verdadeiras sanduíches americanas como a famosa Rubens (pastrami). Tudo isto numa explanada em frente à famosa vinha To Kalon, o Gran Cru de Napa Valley. E ao jantar ficou na memória o Dominus 2019 que foi bebido. O Dominus é talvez um dos grandes vinhos de Napa, o de 2018 foi mesmo considerado o vinho do ano pela famosa Wine Spectator, e este 2019 veio confirmar tudo aquilo que temos sentido quando provámos os vinhos deste ano. Foi uma vindima perfeita por aqui, fruta, concentração, acidez, tudo em equilibro. Grande vinho, obrigado Miguel!

 

Sim, uma enorme palavra final de agradecimento ao Miguel Charters, meu parceiro nesta viagem. Legit Stuff!!