Viagem

Cheval Blanc. A visita a um ícone 

“Our approach is based on pragmatism: we are simply the guardians of an unusual terroir which has gained international recognition and notoriety thanks to its timeless, unique qualities. It is our responsibility to preserve the prolific, natural heritage which produces this great wine”.

 

Pronto. Foi assim que terminou a minha visita de sonho, a ler o Chateau Cheval Blanc Manifesto, o livro que gentilmente me ofereceram e que no fundo evidencia a visão a que se propõe a mítica casa de Saint Emilion, em Bordéus. Vejam só:

“For six centuries, winegrowers have been working this land which, itself, has been rooted in the culture of wine for 2,000 years. The reins of Cheval Blanc have only been handed over once in over 150 years. This has meant that the chateau has benefitted from consistent technical management and has also preserved its vineyards in their entirety. Cheval Blanc is one of the rare properties to be owned by a single proprietor and to have kept more or less the same plot of land for a century and a half. The varietals planted on the property are also unusual for the region; 52 % Cabernet Franc, 43 % Merlot and 5 % Cabernet Sauvignon. It is our job to preserve this unique terroir. The great wine produced at this domain is the inheritance of everyone in the world who knows the magic of this wine.”

É preciso escrever mais alguma coisa?

O que é um vinho de referência se não o respeito pela terra e pelas castas, ao longo de séculos de história? Não custa nada, é só manter o caminho, séculos e séculos. O resto são desvios, ou exercícios de produção precoce. 2024 passou quase tão depressa como a moda dos vinhos naturais, mas deu-me a oportunidade de visitar o Chateau Cheval Blanc e reforçar ainda mais a ideia, sim, que temos um grande caminho a percorrer na vinha, rumo a uma agricultura sustentável, em vez de decretarmos à força os vinhos de naturais (e cheios de defeitos).

Está feita a declaração de interesses, eu fico-me por esta agro-ecologia, que coloca uvas perfeitas na adega, para criar uma das grandes marcas do mundo, graças à consistência lendária dos seus vinhos. Já muito se escreveu sobre as suas famosas vinhas, situadas na margem direita do rio Gironde. Numa viticultura super cuidada e focada na biodiversiade, encontrei o grande solar da casta Cabernet Franc. Sim, a maioria das pessoas associam apenas o Cabernet Sauvignon e o Merlot à região, mas o Cabernet Franc assume um grande protagonismo na sub-região de Saint Emilion.

 

Como não podia deixar de ser, todas as parcelas estão muito bem identificadas e estudadas, algumas delas datadas de 1920 e a produzir pura excelência. A visita começou com a interpretação de uma carta de solos, a explicação da origem dos mesmos e a forma como influenciam o perfil de cada parcela (aqui explicava um pouco os solos lá do sítio).

Depois seguiu-se a visita à nova adega, uma obra de arte de arquitetura que faz justiça ao classicismo do próprio Chateau,  propriedade do grupo LVMH. E nas provas, calhou o Chateau Cheval Blanc de 2011, exercício pura classe, vinho memorável, de taninos sedosos, fresco, terroso, com um final interminável.

E por fim o melhor, sim, o Manifesto, a convicção tornada em lei, uma espécie de código deontológico do Chateau Cheval Blanc. Ou um manual para uma viticultura mais sustentável, enunciando as práticas inegociáveis de uma casa antiga que se quer com futuro – assim, à mão de semear para quem quiser inspirar-se. Só mesmo uma empresa com uma visão global poderia partilhar gigante legado para o sector. A lembrar, quando ouvirem dizer por aí que os franceses são só história e vivem do passado…

 

O ponto é mais ou menos este:

“Agriculture is at a turning point in its history. Viticulture is at the mercy of climate change and the drastic reduction in biodiversity. The limiting effects of intensive, single crop farming are particularly problematic in the winegrowing sector. Soils have become fragile through ploughing and the use of weed killers and have lost their richness permanently due to the use of fertilisers and pesticides.  Because we believe that it is possible to improve the world of wine, it is both our responsibility and our duty to play a part in building a more sustainable and accountable agricultural model”.

E agora?