Magma e Muros de Magma. As relíquias dos Biscoitos estão de volta

Às vezes o telefone tocava. O Nuno, um bom amigo e ex-colega do Instituto Superior de Agronomia, perguntava-me o que achava disto e daquilo lá na Adega Cooperativa dos Biscoitos, na Ilha Terceira, onde ele ia fazendo as vindimas. E eu ia ficando intrigado. Já se sabia do potencial único dos vinhos dos Açores, claro, mas eu desconhecia aquele caso particular dos Biscoitos, onde o Nuno tinha em mãos uma verdadeira relíquia. E foi em 2009, quando me meti no avião e lá fui propositadamente ver o que se passava, que saí de lá rendido.

A incrível história dos vinhos dos biscoitos tinha tudo para ser continuada, mas a verdade é que estava em risco. A viticultura heroica, desenvolvida dentro das curraletas, os muros de pedra que abrigam as videiras do mar, ali mesmo encostado, estava a ser tudo menos rentável para os produtores. Sem condições para comercializar o vinho, esse fantástico Verdelho que ali nasce marcado pelas pedras de basalto (os biscoitos), a Adega Cooperativa local via-se igualmente impedida de poder pagar as uvas aos seus cerca de 60 associados. E assim aquela produção, única a nível mundial, estava a ser progressivamente abandonada…

Nessa viagem, estava eu ainda na Terceira, peguei no telefone e falei do risco e do potencial dos Biscoitos ao Anselmo Mendes, o homem que mais me inspirou nesta vida que é o vinho. O Anselmo ficou entusiasmado e não levámos muito a começar a discutir a ideia de propor consultoria à cooperativa, procurando reenquadrar a produção e criando mais valor através de um novo posicionamento dos vinhos no mercado. E assim foi. Daí a um instante, nas vindimas de 2011 e 2012, surgiam as colheitas para fazer o famoso Muros de Magma, o primeiro vinho que engarrafámos nos Biscoitos.

O Magma foi um sucesso, mas a experiência acabou por esbarrar nos problemas financeiros graves que cooperativa trazia de trás e não lhe permitiam suportar a actividade. Voltámos à estaca zero. A zona dos biscoitos continuou a perder vinha e no seu lugar apareciam mais casas de férias, estruturas estranhas no meio de uma paisagem verde e negra, carregada de história e de simbolismo.

Ficámos sempre ligados aos Açores por um sentimento de optimismo e frustração. Não acreditávamos poder perder os vinhos dos Biscoitos, mas de certo modo estávamos de mãos atadas. E em 2015, graças às muitas vontades que se uniram, propusemos uma parceria diferente: assumíamos a exploração da cooperativa, garantindo a compra de toda a uva a um preço incentivador de 1,5 euros/Kg, tentando dinamizar a produção e a replantação de vinha nas curraletas abandonadas; e começaríamos por fazer dois vinhos baseados na casta Verdelho, o Magma e o Muros de Magma, que nos encarregávamos de colocar no mercado com a Denominação de Origem Controlada dos Biscoitos e com marca Anselmo Mendes. Naturalmente, a Adega Cooperativa terá uma parte das vendas e também ficará com vinho para comercialização.

Cumprido este acordo, estes dois primeiros Magma e Muros de Magma 2015 estão precisamente a ser lançados no mercado. E chegam carregados daqueles traços únicos, só possíveis nos vinhos que ali nascem, vulcânicos, carregados de acidez e salinidade, muito discretos nos aromas e depois surpreendentes na boca, como se não soubéssemos o que ali vem a cada copo.

Em Março e Abril trouxemos as primeiras amostras para o Continente, partilhámo-las com a Imprensa e o feedback foi verdadeiramente fantástico, não apenas pelo reconhecimento qualidade dos vinhos, mas pela história que encerram. Quando o que surge na garrafa é algo genuíno, espelho fiel da terra onde nasce, creio que o vinho é sempre maior. Estamos orgulhosos mas temos trabalho pela frente. Os 2016 serão engarrafados lá para Junho, mas as produções continuam a ser pequenas. Oxalá tenhamos sucesso, possamos dinamizar a produção e a plantação de mais vinha, e assim ajudar a salvar os Biscoitos.

ps: Naturalmente as 1600 garrafas do Muros de Magma (fermentado em barrica) e as 2400 de Magma já estão praticamente esgotadas…