2021. Odisseia no espaço… de 20 vindimas!
Estatística é estatística e só contam os jogos como sénior, claro! Portanto, não valem as vindimas na terra do meu avô, na Beira, quando era só um miúdo que queria beber aquele sumo tão doce das uvas. E sentar-me à mesa para o almoço da minha avó. Mas é verdade, com esta colheita que termina em 2021 conto já esse número redondo de 20 vindimas. Uma odisseia de histórias e oportunidade para lembrar muitas pessoas que ficaram para sempre…
2001 | Vinhos Borges | Um estagiário bebe de tudo!
Tudo começou na Macieira da Lixa, nessa grande casa de vinificação dos Vinhos Verdes. Cumpriu-se a promessa feita pelo mestre Anselmo Mendes no ano antes: “Se queres ser enólogo então vem fazer uma vindima à séria, para ver se gostas mesmo disto!” E lá me apresentei eu na adega. Enorme experiência, tudo novo para mim, sulfuroso, densidades, filtração, borras, foi sempre a aprender… fica também para a história uma épica jantarada de javali acompanhada de vinho Gatão e um tinto morangueiro qualquer – e essa é a primeira nota de uma vindima: um estagiário bebe de tudo!
Pessoas para sempre: o mestre Anselmo, o Miguel Carvalheira, o Sr. Teixeira, o Sr. Cunha, a Judite e a Catarina!
2003 | Napa Valley | E o início da paixão pelos 49ers!
O que fazem três grandes amigos de 20 e poucos anos, colegas do ISA, na Califórnia? Entre o que se pode escrever, passam uns 4 meses a trabalhar em algumas das mais modernas e importantes adegas no mundo. Épico! Grande aventura e enorme dose de experiência. Em 2003 as adegas de Napa fervilhavam de energia. Nós tivemos a oportunidade de visitar mais de 100 adegas e aprender com muitos enólogos. E ver os 49ers, claro, no início de uma nova paixão para mim – a NFL.
Pessoas para sempre: Pedro Marques, o Sr. Vale da Capucha; Nuno Costa, meu colega nos vinhos Açoreanos dos Biscoitos; e o Pedro Garcia, com quem fiz muitos vinhos na Herdade Grande.
2004 | Final de Curso | O mítico Rogério de Castro
Ano de estágio final de curso, com o título “Condução Lys em Socalcos na Região dos Vinhos Verdes: Influência das intervenções em rede no comportamento ecofisiológico e agronómico da casta Touriga Nacional”. Isto promete… Tinha uma excelente justificação: foi a forma de poder passar mais tempo a aprender com um dos grandes mestres e mentores que tive na minha vida, o grande professor Rogério de Castro. Figura incontornável da viticultura nacional e um dos grandes professores catedráticos do ISA. Após estágios de vindima muito focados na adega, achei por bem apostar mais na viticultura para ter mais bases para o futuro. Passei parte desse ano a recolher dados na Quinta de Lourosa, a emblemática propriedade do professor Rogério. Uma grande aprendizagem que culminou na vindima de 2004, onde fizemos as vindicações separadas dos campos em estudo e não só. Uma vindima completa, de brancos, vinhos tintos, bases espumantes e tudo sempre muito bem acompanhado por uma cozinha regional memorável.
Pessoas para sempre: O professor Rogério de Castro, o Eng. Amândio Cruz e a Joana Castro.
2005 | Alentejo | Começam os nervos…
Um ano depois da entrega do trabalho final, os mentores Rogério de Castro, Anselmo Mendes e Amândio Cruz deram a minha referência a dois jovens alentejanos, com raízes em Cabeção (Mora), onde estavam a arrancar com um projeto vitivinícola muito focado na identidade especial que aquela zona do Alto Alentejo tem. Criámos a marca Grou.
Foi com muito nervosismo que comecei naquele ano. Agora já não era um estagiário.
Acabaram por ser 5 anos muito intensos e com bastante aprendizagem.
Pessoas para sempre: Sr. Paredes, Nílton, o Berras, a Dona Pomba e o Luís Linã.
2010 | Couteiro Mor e AdegaMãe | O início como consultor…
Início de uma nova fase na carreira, como enólogo e consultor dedicado a projetos específicos, graças ao desafio lançado pelo Mestre Anselmo. Assim comecei a trabalhar em duas casas muito especiais para mim:
A Couteiro Mor, marca de referência no Alentejo, com uma família da qual estivemos sempre muito próximos (e que acabaria por ser quase um regresso a uma casa que já conhecia, pois as três primeiras vindimas dos tempos de Cabeção foram feitas nesta adega. Assim, foi só dar continuidade ao bom trabalho que sempre se fez e tentar perceber melhor aquela parcela tão especial que é a Vinha da Granja).
Pessoas para sempre: Gabriel, a Teresa, a Dina e o Ângelo.
Uns meses depois, o mestre surge com o projecto que muda a minha vida, a AdegaMãe. Lembro-me, como se fosse hoje, da primeira visita que fiz com ele a Torres Vedras.
Numa região que desconhecia completamente a primeira vindima foi logo inesquecível. Cubas a entrar por um lado e uvas a entrar por outro! Aquilo que fomos nessa vindima e aquilo que somos hoje… é incrível o que se consegue fazer em 10 anos! Um grande projeto e, claro, a entrada no mundo do bacalhau como deve ser.
Pessoas para sempre: Bernardo Alves, Sergio Nicolau, Rui Amilcar.
2011 | Os Açores e o Cazas Novas | Das curraletas ao Avesso
Após umas visitas exploratórias à ilha Terceira, lá convenci o mestre a ir comigo aos Biscoitos e conhecer aquela preciosidade. Foi amor à primeira vista – é fácil ficar encantado com aquelas curraletas e paisagem. Falámos com a direção da Adega Cooperativa dos Biscoitos e rapidamente chegámos a um acordo. A primeira vindima aconteceu logo nesse ano, com a ajuda preciosa do meu grande amigo de faculdade, Nuno Costa.
Pessoas para sempre: Nuno Costa, Paulo Mendonça, Sr. Salvador.
Também em 2011 um dos meus grandes amigos, o Vasco Magalhães, disse-me que tinha de conhecer o Carlos Coutinho, proprietário de uma quinta na zona dos Vinhos Verdes. Sabendo ele da minha paixão pela região, lá fui conhecer o Carlos e a tal quinta. Escusado dizer que uns meses depois lá estávamos a vinificar o Avesso da Quinta de Guimarães para começar com o projeto Cazas Novas. O desafio trazia uma bela surpresa: a cabidela da Fernanda, que tornava a vindima ainda melhor! Mesmo nesse ano de uvas perfeitas que foi 2011!
Pessoas para sempre: Vasco Magalhães, Carlos Coutinho e a Fernanda.
2014 | Um ano difícil | Sim, há vindimas muito difíceis!
Esqueçam aquela ideia de que todas as vindimas são rosas! 2014 foi um ano muito complicado, graças à chuva no início de setembro que se prolongou até outubro. Houve claramente duas vindimas: a sul, no Alentejo, ainda se colheu a maioria das uvas antes das primeiras águas. Em Torres Vedras e nos Vinhos Verdes (Cazas Novas), a chuva não deu tréguas. Terá sido mais problemático na AdegaMãe, onde fazemos muitos tintos, porque a grande maioria das castas não atingiu o seu ponto ótimo. Mas os vinhos aconteceram! É aí, sobretudo nos anos maus, que a intervenção técnica tem que cumprir a sua função!
2018 | Da Herdade Grande ao Douro | Temos Vintage!
A vindima de 2018 marca o início de mais dois grandes projetos na minha carreira. Desde logo a Herdade Grande, uma casa que sempre segui e onde tenho ligações antigas com a família Lança. Entrei nesse projeto com um dos meus melhores amigos, o Pedro Garcia, e juntos fizemos logo uma vindima memorável. Grandes experiências com as tradicionais talhas do Alentejo, as castas Sousão, Tinta Miúda, Rabigato e Viosinho… uma vindima muito intensa, marcada ainda pelo escaldão que se fez sentir a meio de agosto e que dizimou algumas parcelas das castas mais sensíveis.
Pessoas: Eng. António Lança, Mariana Lança, Pedro Garcia.
O outro novo desafio foi a Kranemann Wine Estates, na Quinta do Convento de São Pedro das Águias, no Douro. Caso para dizer: Douro at last! Qualquer enólogo terá uma paixão especial por esta região, porque a viticultura de montanha marca-nos de uma forma muito intensa. Fazer vinhos DOC Douro e Vinhos do Porto é um privilégio, onde conto com a preciosa ajuda da minha amiga Maria Susete, que desafiei para ser o meu braço direito (e esquerdo) neste projeto. A primeira vindima no Douro é sempre marcante, pelas pessoas, sons e intensidade de cada dia. Tivemos ainda a sorte de ser um ano muito equilibrado e conseguimos fazer Porto Vintage logo à primeira! Boa, Susete!
Pessoas: Maria Susete, Beto, Zé Almeida, Dina e Christoph Kranemann.
E enfim, chegamos a 2021. Vindima em sete adegas de cinco regiões, mais uns milhares de Kms, 4.000.000 Kg de uva para vinificar e uma sensação incrível de cansaço e de realização. Brancos de grande nível em perspetiva e tintos a exigirem muito trabalho e capacidade de resposta, para que a qualidade sanitária não fosse prejudicada pela chuva que marcou setembro. Por isso mesmo, a última palavra é de um enorme de agradecimento para as equipas no terreno e nas adegas, que são simplesmente fantásticas e cruciais: obrigado!