Prova dos 300. Aquele dia do ano que acaba sempre com uma cerveja
É aquele dia do ano, que chega já carregado de rituais. Confirma-se a data, para que o Anselmo também possa estar presente, pede-se à equipa que ajude a preparar a sala, os copos e os vinhos. E depois fechamo-nos e esperamos que ninguém incomode. Fazemos um intervalo para comer qualquer coisa. E mesmo assim o tempo não é muito, porque na AdegaMãe já são 300 copos para 300 vinhos, isto é, 300 barricas, que queremos testar uma a uma para analisar a evolução, reunindo a informação para as grandes decisões e para os resultados propriamente ditos: o vinho engarrafado que chegará ao consumidor.
Como não há duas vindimas iguais, também há sempre diferenças significativas na evolução dos vinhos na adega. Chegam também técnicas ou materiais novos, que vamos conhecendo melhor. Tudo junto, é a permanente incógnita tão desafiante e entusiasmante da vida de um enólogo, que nos renova as surpresas e nos leva a tomar decisões diferentes todos os anos. É certo que existem perfis de vinhos que vamos definindo e mantendo, mas a qualidade e evolução das colheitas impõem-se e, no limite, cada vinho surge sempre distinto – porque alteramos ligeiramente um lote, ou porque o alteramos completamente e fazemos um vinho novo. E de certa forma, tudo passa por este dia, o dia da prova dos 300.
Avançamos para a prova sem qualquer referência, nem de ano, nem de casta, nem sequer de madeira. Mandam os vinhos e, esperamos, a nossa capacidade de prova. Estamos no caso particular da AdegaMãe, mas o objectivo é sempre identificar e confirmar as barricas que mais se destacam. Os vinhos que se mostram extraordinários, já se sabe, dir-nos-ão se temos potencial para engarrafar o topo de gama que nasce apenas em anos especiais, o AdegaMãe Terroir. É um nível único, para lá da nossa marca Dory Reserva, onde só entram algumas barricas… ou nenhuma. Se descermos o degrau, para os tais Reserva, então temos geralmente um leque de opções maior mas, mais uma vez, nem todas as barricas aí chegam.
Um exemplo prático de como tudo muda? Aqui há um par de anos descobrimos uma parcela de Touriga Franca perdida numa das vinhas de tintos de um dos nossos produtores, lá do lado de Alenquer. Colocámo-la em madeira e a verdade é que nestas provas o resultado se revelou verdadeiramente impressionante, ao ponto de – decidimos – esta Touriga Franca atlântica ganhar direito a ser engarrafada como varietal e, até, a entrar no lote do nosso Reserva Tinto. Ou seja, este Reserva Tinto vai ter uma grande evolução no seu perfil.
Outros vinhos que se destacaram nesta prova das 300 barricas? Temos um Cabernet Sauvignon tão interessante que estamos a prepará-lo para o lote do AdegaMãe Terroir que chegará ao mercado lá para 2021. E o Terroir, até hoje, nunca tinha sequer integrado esta casta. No limite, uma casta ou barrica pode levar-nos a desenhar vinhos que não se repetem. Queremos sempre algo de novo, de único, sem fugir, claro está, ao que é a identidade da região e do projecto onde estamos. E para isso, nada como nos deixarmos comandar pela prova dos 300…
Naturalmente, é impossível provar 300 vinhos suportando toda a carga sensorial a que estamos sujeitos. Por isso, há copos que não podem passar do nariz. Temos que salvaguardar a nossa capacidade, sob pena de entrarmos em desgaste e começarmos a tomar decisões menos boas. Mesmo assim, no final do dia, recorremos sempre a uma fórmula química e – obviamente divertida – de recuperação do palato: beber uma valente cerveja! Não falha! É já um ritual e este ano, mais uma vez, revelou-se infalível. Até porque no dia seguinte tinha mais 100 copos / barricas para provar na Herdade Grande. Já agora, se vocês soubessem como está o Sousão que o Engenheiro António Lança em tempos por lá plantou na Vidigueira… Incrível! Pois é, só o Sousão vai ser tema para mais um post no blogue…