Viagem

Back to USA II. Entre as montanhas de Sta. Cruz e Sonoma

 

É o regresso onde já fui feliz. Passei cinco meses da minha vida na California, em 2003, a trabalhar em adegas e beber tudo o que podia. Nos dois sentidos. Foi uma experiência incrível, cheia de aprendizagem. Voltar após quase 20 anos é como viajar no tempo, as memórias sucedem-se, mas desta vez vou completamente orientado para as visitas e provas que tenho marcadas, em alguns dos produtores que mais se destacam por aqui. Depois da grande experiência no Oregon, mais uma vez, não quero perder um detalhe.

Ridge Vineyards

É uma das adegas que mais admiro no mundo e há muito estava na shortlist das que mais queria visitar. Este é um projecto especial, desenhado pelo lendário Paul Draper nos anos 60. Não está em Napa nem em Sonoma, mas sim nas montanhas de Santa Cruz, onde, no Monte Bello, nasce um dos mais famosos vinhos dos EUA. Das vinhas temos uma vista ampla para o Silicon Valley. E aqui, por entre as variedades que o Paul Draper quis estudar (como os nossos Alicante Bouschet ou Bastardo), o Cabernet Sauvignon, claro, é o rei.

Os vinhos são intensos e inebriantes, expressão do terroir das vinhas velhas. É preciso ter noção do que está em causa. O Ridge Monte Bello foi um dos vinhos presentes no famoso julgamento de Paris de 1976, quinto classificado nessa mítica prova em que os vinhos californianos derrotaram os clássicos franceses, fazendo disparar a cena da produção de vinho nesta região (de dezenas para centenas de produtores). 30 anos depois, o julgamento de Paris repetiu-se, os franceses voltaram a ser derrotados e o Ridge Monte Bello foi grande vencedor da prova – era o vinho que melhor tinha evoluído!

Procurámos provar vários vinhos, incluido algumas das novas referencias. Nada fora do sítio, o que se destaca é a precisão, a qualidade, o traço de consistência. As estrelas foram o Ridge Monte Bello 2012, pura elegância! E o ano 2019, do qual tivemos direito a uma amostra, desarmou-nos os sentidos. Perfeito.

Sonoma

Cumprido o sonho de conhecer a Ridge Vineyards e provar alguns dos seus “grand cru”, o segundo dia começou com a paragem na Peay Vineyards. Uma adega boutique, focada em fazer vinhos distintos e de enorme qualidade, que tem dado grandes cartas no panorama dos vinhos de Sonoma – sim, agora estamos na região de Sonoma propriamente dita.

Somos recebido pelo enólogo Orion Leguyonne, que nos faz uma explicação detalhada sobre as grandes diferenças das diferentes origens que existem na região. Com a questão do aumento da temperatura média, cada vez mais são favorecidas as vinhas mais próximas do mar, onde se conseguem maturações mais equilibradas e a fruta fica mais autêntica.

Este projecto assenta numa vinha que está a cerca de 10 km do mar, na Sonoma Coast, onde cultivam principalmente Chardonnay e Pinot Noir. Os vinhos refletem todo o carácter da vinha, são tensos, com acidez vibrante e com uma elegância surpreendente. Não conhecia muito este projecto, mas ficou na minha lista de preferências.

A segunda paragem foi na Williams Selyem, um dos nomes maiores de Sonoma. Numa adega com uma arquitectura impressionante, somos recebidos pelo Jeff Mangahas, director de enologia. Este produtor é hoje um ícone da região, tem a particularidade de vender 300.000 garrafas por ano e todas em regime de “wine club”, para o qual a lista de espera é bem superior à oferta. Incrível, só mesmo nos USA! É por isso que eu adoro este pais. É possível imaginar uma produção de 300.000 garrafas vendidas diretamente a consumidor final e a preços, por exemplo, entre 70 e 200 USD $?

Dentro da gama o Jeff diz-nos que existem 48 referências diferentes, cada vinho representando uma das parcelas de vinha. Single vineyards, vinhos de parcela, sempre! Provamos uma bateria de Pinot Noir e sentimos bem a diferença entre cada vinho. Nada como uma boa viagem de múltiplas garrafas da mesma variedade para se sentirem bem as diferenças dos terroirs de origem. Tudo irrepreensível, rigor e detalhe em todos os aspectos do processo. Ser reconhecido parece fácil, mas dá imenso trabalho. Para o final fica a conversa sobre Portugal – parece que o Jeff é um apaixonado pelo nosso país, onde gostava de passar a sua reforma. Portas abertas Jeff, estamos à tua espera!

Sonoma 

Já no terceiro dia em Sonoma, visitamos a Paul Hobbs winery. O Paul Hobbs é uma das lendas da enologia dos USA. Trabalhou na Robert Mondavi, fez os primeiros anos do Opus One, tornou-se consultor em inúmeros projectos, encantou-se pela Argentina e pelo Malbec –  é a ele que se deve o boom do Malbec pelo mundo. Entretanto, com a evolução natural da sua carreira, tornou-se também produtor. Conhecendo como ninguém as vinhas da Califórnia, foi em Sonoma que se instalou, construindo uma linda adega, super funcional e muito bem preparada para receber pessoas. Hoje o Paul Hobbs faz vinhos em nome próprio nos US, Argentina, Galiza e Arménia. Um verdadeiro Globetrotter.

Mas foram as suas pérolas da Califórnia que nos levaram ali. Os vinhos mostram uma extraordinária precisão, refletem bem a essência da origem do local. O Chardonnay é vibrante, a transbordar influencia marítima. Sente-se que hoje o estilo dos melhores vinhos da Califórnia está a mudar, estão claramente a procurar vinhas mais frescas, com mais influência do oceano, ou com mais altitude.

Nos tintos provamos dois Pinot Noir com estilos bem diferentes, um de Carneros com perfil marcadamente mais quente, puro Napa Valley, fruta mais doce e sensação quente na boca, o segundo de uma vinha no Russian River, em Sonoma, claramente mais fresco e vibrante. Daqueles vinhos que nos dá vontade de não parar. Terminámos, naturalmente, com os Cabernet Sauvignon. A mais famosa e procurada uva de toda a Califórnia. A média do preço da uva do Cabernet em Napa é cerca de 9000€ por tonelada (9€/kg), um valor já incrivelmente acima do mercado. Enfim… só para terem uma referência, na AdegaMãe compramos uva a cerca de 0,45€/kg…

To Kalon. Uvas a 50€/Kg

Mas o melhor exemplo deste outro mundo está para vir. Na vinha To Kalon, que é considerada como o Gran Cru do Cabernet em Napa Valley é a propriedade que qualquer produtor gostaria de ter, ou de lá poder comprar uvas, os donos só cedem parte da colheita a quem eles escolhem, e após aprovação em entrevista, após perceberem o estilo de vinho que se pretende fazer. Preço da uva? No ano passado foi vendida por 50.000€ / tonelada, sim 50€ por kg. Por isso é que os vinhos com a indicação To Kalon custam sempre para cima de 400 dólares. Only in America! Mais informação aqui.

Provamos o Cabernet Sauvignon To Kalon 2017, um vinho que mexe com os sentidos, tal a complexidade e a intensidade, mas sempre com equilibro e elegância. Taninos sedosos, uma vontade de beber impressionante. Se todos os vinhos desta vinha forem assim, então percebe-se a razão dos preços astronómicos.

Tempo ainda para o projecto Three Sticks Wines, também em Sonoma. A sua tasting room é uma antiga casa mexicana, dos tempos em que a Califórnia ainda era México, toda recuperada e com imenso charme. Está em pleno centro da cidade de Sonoma, o que lhe dá uma localização incrível. Os vinhos têm tido imenso reconhecimento, incluindo honras de capa na Wine Spectator, por isso tínhamos grandes expectativas na prova. E confirmou-se que são mesmo grandes vinhos, exemplos da tal renovação de estilo em curso na região. Mais frescos, mais elegantes e sem excessos. Viajámos por uma coleção de Chardonnay e de Pinot Noir, sempre em single vineyards. É uma sorte poder constatar e aprender as subtilezas das diferentes sub-regiões. E sempre que entramos numa apelação mais quente, os vinhos refletem logo esse caráter, inevitável. Sinal que a enologia está a fazer bem o seu trabalho, respeitando fielmente a origem das uvas.

 

Vamos Jantar?

Assim terminámos as visitas por Sonoma. Como estávamos em fim-de-semana, seguiu-se a descoberta por San Francisco, aproveitando a grande oportunidade para conhecer a imensa diversidade de restaurantes – influências mexicanas e asiáticas são constantes na oferta.  Começamos por ir ao Californios, um restaurante 2 estrelas Michelin baseado na cozinha mexicana. Que extraordinária viagem, de sabor, de cor e de cozinha com emoção. Incrível. Para acompanhar, um Champagne George Laval, um Chardonnay Kongsgaard e um Pinot da PeayVineyards. Tudo impecável.

Estando nos USA há igualmente que aproveitar uns bons hamburgers. O In-N-Out é um verdadeiro clássico da Califórnia do Norte. É uma cadeia de fastfood que só existe por aqui e há um autêntico culto à volta destes burgers. Quase 20 anos depois, sabe bem voltar a ter à minha frente um burger destes. Juicy!!

Por fim, o Niku Steakhouse. A influência japonesa em San Francisco é enorme. E este restaurante é uma lufada de ar fresco, a mostrar que a gastronomia japonesa não é só sushi e sashimi. Aqui temos uma steakhouse com carnes do outro mundo, nomeadamente a ultra famosa Kobe. Dão-nos uma explicação de terroir de carnes do Japão e embarcamos na viagem para aquilo a que chamam a A5 tasting, com uma prova de três origens distintas. Espetacular. Para acompanhar, um Napa Cabernet, só podia. Fomos para um DuMOL 2017. Grande combinação.