Gastronomia

Celler de Can Roca. É o produto real, não é coisa da imaginação!

Celler Can Roca

Imaginem que um dia destes, a meio da semana, se enfiam com um grupo de amigos num avião, em direção a Barcelona, apenas para irem jantar. “

-“Ir a Barcelona Jantar?”

Ok, não é bem isto que se diz ao patrão lá no trabalho, que fazer 1300 Km para se sentarem à mesa pode parecer um pouco estranho. É melhor dizer que tiveram um voo barato, ou um bilhete de borla para ver o Messi, que vão à Sagrada Família, ou qualquer coisa do género. Porque, acreditem, vale tudo para ir a Barcelona jantar, especialmente se for ao Celler de Can Roca, um dos melhores restaurantes do Mundo (aliás, o segundo melhor de 2018 na lista The Worlds 50 Best).

 

Eu lá fui encantado, guiado por dois amigos verdadeiramente conhecedores, especialistas da boa cozinha, da cozinha genuína, aquela que valoriza o produto – preparem-se, vou escrever a palavra PRODUTO várias vezes neste texto. Confirmei, aliás, que uma aventura destas faz muito mais sentido se for em grupo, com gente apaixonada pela coisa, para vivermos cada minuto, cada prato e cada copo em permanente partilha de experiência, enriquecendo-a e acabando por torná-la verdadeiramente inesquecível. Além disso, as melhores mesas são sempre aquelas que nos trazem gente especial!

 

 

A ida preparou-se com alguma antecedência, apenas com uma regra, um plafond definido para cada garrafa de vinho, que seria aconselhada por quem no grupo já tinha umas dicas da fantástica garrafeira do Celler de Can Roca. A descoberta, portanto, não iria esgotar-se nos pratos.  Nós, que somos enólogos,  temos esta sorte de estarmos condenados ao privilégio da permanente harmonização dos vinhos com os pratos. Gosto de o fazer nas tascas mais simples e nos melhores restaurantes, mas desta vez estava mesmo perante uma oportunidade única.

 

Chegámos finalmente! Se a genialidade do chef Joan Roca está por demais provada, e escrita, o que me surpreendeu desde logo foi a simpatia e a forma apaixonada como nos conduziu à sua cozinha, apresentando a equipa, explicando equipamentos e preparação e mostrando ingredientes, perdão, o PRODUTO! Íamos para um menu de cinco entradas, 17 pratos e quatro sobremesas… sim, Champions com prolongamento e penalties! Para dar luta, a tal garrafeira épica com 60.000 referências. Vamos a jogo!

 

 

Para começar, nas entradas, uma espécie de volta ao Mundo – “Comerse el Mundo” – com sabores que nos remetem para lugares tão distintos como a Tailândia, Japão, Turquia, Peru e Coreia. Identificámo-los todos, graças à forma perfeita e clara como nos transportaram para cada país. Chegam também os apontamentos mais locais, os “calamares”, o “bacalao”, o atum. E sim, começamos a perceber, o que interessa sempre é o PRODUTO, a honra que lhe é feita graças a técnicas de confeção perfeitas, que nos fazem descobrir novos sabores e novas texturas onde julgamos que nada podia ser inventado… nem que seja numa simples gamba!

 

 

Essa sensação será uma nota dominante à mesa, num misto de exigência e simplicidade que, curiosamente, apesar do lugar especial, nos faz sentir sempre muito em casa – alguém espera ver um rascasso desmanchado em plena mesa de um restaurante Estrela Michelin, ali mesmo à frente do cliente, bochecha para um lado, lombo e o resto para o outro? Lá está, salienta-se a nobreza e singularidade de cada parte do peixe. A melhor cozinha não é necessariamente uma operação de cosmética, o chef Joan Roca procura o destaque do PRODUTO real, valorizando sabores genuínos, nunca o truque desnecessário. Pombo é pombo, como nunca o saboreei na vida, tal como um simples camarão ou enguia. Conclusão: o meu jantar no Celler de Can Roca foi uma épica lição de vida, redescobrindo novos sabores naquilo que julgava conhecido.

 

 

Surpresa após surpresa, os vinhos não deixaram de estar à altura. De uma garrafeira construída por um dos melhores sommeliers do Mundo – Josep Roca, um dos três irmãos que fazem o nome do restaurante – saltaram as escolhas sugeridas por quem estava na mesa e, estudioso da coisa, contribuiu para tornar o jantar ainda mais épico.

 

Brancos:

– Um champagne David Léclapart L’Artiste, um grande Premier Cru de Trépail.

– Outro champagne André Beaufort Grand Cru 1990, sublime, cremoso, fino, elegante…. tudo o que se quer num grande champagne .

– Depois fomos a um Jean François Ganevat, Les Vignes de mon Père, 1999. Um clássico dos vinhos naturais do Jura, vinho puro cheio de carácter.

– Subimos até à Alemanha, para um Donnhoff, Hermannshohle Riesling 2008, cheio de frescura e raça.

– Terminámos os brancos (e atenção que os brancos e os Champagnes são talvez os vinhos mais versáteis para estes menus) com o Chateau-Chalon 1985, mais um branco do Jura, extraordinário e complexo, com uma evolução sublime.

 

Tintos:

– Domaine du Comte Liger-Belair, Vosne-Romanée, Clos du Château 2012 Monopole. Um enorme Pinot Noir da Borgonha, ainda muito novo, cheio de nervo. Mas com aquela fruta que só os melhores Borgonha tintos conseguem.

– Sine Qua Non 2012. Um mítico tinto da Califórnia, feito de Syrah, musculado, opaco e longuíssimo. Ideal para os pratos de carne mais complexos do menu.

 

 

Prolongamento:

No final voltámos ainda a um branco:  Breuer Schlossberg 2010, mais um Riesling alemão.

 

O que dizer? Simplesmente épico. 2018 trouxe-me a maior experiência gastronómica da minha vida. Daquelas que não sabemos se alguma vez teremos oportunidade de repetir. Por isso, quando aparecer aquela pergunta do “ir a Barcelona só jantar?”… Sim, claro que sim!