Diário da Vindima (I). Quatro adegas e 367 Km para começar a semana…
Esta é aquela fase do ano em que o enólogo desaparece para se tornar um tipo estranho, meio stressado, às vezes um bocado mal-disposto. Enfim, não levem a mal, que isto ataca todos os anos. Chama-se vindima, e deixa-nos assim numa espécie de concentração cega, que não nos deixa ver nada além de uvas, mostos, cubas e barricas. A verdade é que isto é muito mais divertido do que parece! E passa como uma vertigem. Este é o diário de uma semana na vindima, ente 5 regiões, 7 adegas e uns valentes Km na estrada. Ora vamos!
Segunda-feira | 0 Km – 367 Km
AdegaMãe; Couteiro-Mor; Herdade do Freixo; Herdade Grande
Saio de Lisboa e começo manhã cedo na AdegaMãe. Não há nenhuma surpresa de última hora, pelo que seguimos com o planeamento de vindima atualizado na sexta-feira. Estamos a receber uvas tintas dos nossos produtores na região de Alenquer, parcerias antigas que nos garantem o que é mais importante nesta altura: timings de colheita ao dia, para garantirmos fases de maturação perfeitas. Enquanto as uvas chegam, passo parte da manhã a provar a evolução dos mostos brancos, por enquanto com aquelas notas muito típicas de fermentação: o Chardonnay é pera, o Arinto é flor de laranjeira, o Alvarinho é mais tropical. Temos boa matéria-prima em 2019. Nos tintos, a equipa segue o habitual trabalho de remontagem e posterior extração das massas que, depois, levamos à prensa.
Ao final da manhã já estou a caminho do Alentejo. Pelo caminho toca o telefone, questões para resolver em relação à vindima no Douro, na Kranemann Wine Estates. Confirmamos o destino de umas uvas que darão entrada em breve na adega – aquela parcela é especial e é mesmo para Vinho do Porto! O telefone ajuda a fazer passar os Km e é num instante que chego a um dos meus poisos alentejanos preferidos, o Pátio dos Petiscos, em Montemor-o-Novo, casa do meu amigo Francisco Malhão, especialista das coisas verdadeiramente importantes numa mesa: qualidade, conforto, companhia e sentido de humor.
Cogumelos, brás de farinheira, espargos da horta (sim, como os peixinhos da horta, mas com espargos lá dentro da fritura perfeita); depois um corte de porco preto selado na grelha e acabado a vácuo, como só ali se faz, macio, suculento, perfeito. A conversa, com o Francisco, também é sempre um gosto. Acabamos a provar um novo Touriga Franca AdegaMãe que faço questão de lhe deixar. Deixo-lhe também um abraço! Depois do café já estou a caminho da adega Couteiro-Mor, para mais uma rotina de mostos. Actualiza-se o planeamento semanal e continuo Alentejo dentro, para a Herdade do Freixo. De novo, prova dos brancos que estão nas cubas e nas barricas, tudo cravado terra dentro nesta incrível adega subterrânea. Tomam-se algumas decisões importantes, porque algumas cubas pedem-nos mais tempo e incorporação de algum oxigénio. Tudo provado, desço para Vidigueira para acabar o dia já na Herdade Grande.
O Pedro Garcia, o meu parceiro de vindimas há mais de 15 anos, faz-me o ponto de situação. Nesta fase, mais uma vez, gastamos mais tempo com os brancos. Estamos no momento em que a análise e a prova dos mostos nos permite começar a tomar algumas decisões importantes, em torno das cubas e vinhos em que devemos apostar ou não. Nas talhas, a fermentação segue respeitando a intervenção mínima que se fazia antigamente – sim, no próximo ano, centenário da Herdade Grande, vamos lançar um Vinho de Talha, recuperando a tradição da casa e da região!
Final do dia. Petisco uns ovos mexidos e um pica pau na Taberna Tia Jacinta. Volto à Herdade Grande e caio redondo na cama. Amanhã há mais…