Diário da Vindima (III). Um aniversário no paraíso do Douro

Esta é aquela fase do ano em que o enólogo desaparece para se tornar um tipo estranho, meio stressado, às vezes um bocado mal-disposto. Enfim, não levem a mal, que isto ataca todos os anos. Chama-se vindima, e deixa-nos assim numa espécie de concentração cega, que não nos deixa ver nada além de uvas, mostos, cubas e barricas. A verdade é que isto é muito mais divertido do que parece! E passa como uma vertigem. Este é o diário de uma semana na vindima, ente 5 regiões, 7 adegas e uns valentes Km na estrada. Depois dos textos de segunda e terça-feira, segue mais um diário da vindima:
Quarta-feira | 958 Km – 1368 KM
Kranemann Wine Estates (Douro)
O quarto onde acordo, na Quinta do Convento de São Pedro das Águias, é virado a Norte, precisamente para o Vale do Távora. A vista afunda-se até ao rio, decorada por vinhas, oliveiras e árvores de fruto. É obrigatório abrir a janela, sentir o ar frio e o silêncio que ajuda à contemplação. À direita, o Sol parece suspenso, como se tivesse dormido logo ali atrás dos montes. À esquerda, a adega da Kranemann Wine Estates, ela própria uma varanda para este paraíso, prepara-se para mais um dia de vindima.
Como se fosse possível, o caminho entre o convento e a adega é mais uma espécie de bónus. O cenário e a quinta são únicos. Atravessa-se uma parcela de tintos prestes a ser vindimada e num instante estou com a Susete, a minha parceira na enologia. Atualizamos o planeamento, para que nada falhe. A determinada altura, a vindima também é como um jogo de Sudoku, em que o exercício é articular a disponibilidade dos lagares com o ritmo da colheita. É preciso espaço para a uva que continua a chegar. E isso é tão mais importante nesta vindima de 2019, em que já aumentamos o volume de produção em 50%.
A manhã passa num instante. Chamam-me para o almoço. Passo pela zona de receção, onde as caixas de uva se acumulam à espera de entrada no tapete de seleção. É tudo tintos, que os brancos já estão há uns dias nas cubas e nas barricas. A propósito, belos mostos! Entro no refeitório e o parabéns-a-você, cantado pela malta, surpreende-me e lembra-me que é dia de aniversário. Esta gente faz-me abanar mais uma vez… Obrigado equipa!
Diariamente, durante a vindima, chegam umas tachadas que se derrotam acompanhadas com umas garrafas do nosso novo branco, o Hasso, um vinho fácil, frutado e fresquíssimo que estamos agora a colocar no mercado. Hoje o Hasso bate-se com uma feijoada. Abro também um Sousão que trouxe da Herdade Grande, para partilhar com a malta. Que surpresa esta casta (mais habitual no Douro e nos Vinhos Verdes) quando cultivada nos xistos da Vidigueira! E é precisamente da Vidigueira, lá da incrível família Lança, que chega pelo correio uma magnum de Herdade Grande Reserva. “Parabéns. Um beijo da equipa Herdade Grande”! Volto a abanar… Obrigado Mariana!!! Obrigado equipa!!!
Seguimos os testes. Abrimos também uma garrafa do Quinta do Convento Reserva, um branco ainda por rotular. Rabigato, Viosinho e Gouveio, as melhores uvas de 2018, tudo fermentado em barricas novas carvalho francês. A frescura e a mineralidade, tão típicos deste terroir de altitude, no Tabuaço, deixam-no aguentar bem a madeira. Promete.
Depois do almoço, é tempo de voltar à adega e à vinha. Provam-se cachos, confirmam-se fases de maturação e confere-se o programa para os próximos dias. Tempo ainda para uma foto de equipa, que fica para recordação. Às 17h é hora de me fazer à estrada, em direção a Lisboa. Afinal é dia de aniversário e estou a uns 400 Km de jantar com a família…