El Capricho. Também havia salada, mas não me lembro de nada disso…

À chegada é tudo muito discreto e modesto. Nos últimos quilómetros para Jiménez de Jamuz, Léon, a pouco mais de três horas de carro do Porto, o que surpreende são as pequenas adegas enterradas na terra, com chaminés como cogumelos. É terra de vinho, de artesanato e de carne, é lá que está o El Capricho, supostamente um dos melhores restaurantes de carne do mundo. Mas aqui?
Dizia, é tudo muito discreto e simples. Chegámos. Primeiro uma esplanada que dá para o bar, tudo rústico, depois entramos para o restaurante e começa a verdadeira surpresa. Passamos logo pela espécie de cozinha, onde as peças de carne saltam à vista – não caberiam num forno convencional. É ao que vamos. Depois somos guiados à nossa mesa – reservada porque aqui uma reserva pode demorar meses – e percebemos que o El Capricho é precisamente uma antiga adega, uma sucessão de salas escavadas na rocha, húmidas, escuras, frescas, mas carregadas de mística, de personalidade.
Claro que aqui não se fala – e não se pede – outra coisa que não carne. É uma oportunidade única, portanto vamos ao melhor! Para começar uma cecina, uma carne salgada e maturada, cortada fina como um presunto. Exclusivo El Capricho, produção tradicional. Vimos de uns dias por Espanha a comer bom jamon, mas aqui estamos noutro campeonato. Textura, gordura, sal e sabor, o sabor! Tudo no ponto. Vem depois um tártaro. Há que não desvalorizar aquele tártaro, com um tempero de pimentas perfeito – e há quem queira almoçar só daquilo!
Mas guardem-se senhores! Vem aí o melhor, o prato estrela da companhia, a Chuleta de Buey que chega à mesa servida pelo maestro asador, o dono José Gordon. É o próprio José que se encarrega de desmanchar a peça. Divide-nos diferentes partes pelos pratos, explica-nos que em cada uma delas vamos encontrar diferentes texturas e sabores, e é aí que percebemos a solenidade do momento. Cada animal só é abatido num ponto ideal de crescimento, já adulto. A existência do bicho é respeitada ao máximo, em terreno aberto, e com a alimentação devida. E mais do que a raça, é toda esta conjugação de factores que concorre para a qualidade da carne. O segredo final é o processamento, a tal maturação longa, porque depois aquela Chuleta de Buey não chegou ali sem 120 dias de maturação numa temperatura específica.
Estamos calados enquanto ouvimos o José. O almoço torna-se quase um exercício de gratidão, ao maestro e ao animal. Enfim, se é para se ser “carnívoro”, então que se seja com esta honra e respeito. Pouco falamos quando começamos a comer. Sucedem-se depois aqueles comentários em que cada um quer superar o outro, mas os adjectivos esgotam-se rápido. Os sentidos dizem-me que estou a mastigar a melhor carne no mundo, se calhar já vinha com a mente formatada para isto, mas é verdade que nunca comi nada assim. É heresia dizer-se que se come boa carne em Portugal (enfim… temos o melhor peixe do mundo), por isso nem adianta estar aqui com comparações com alguma coisa.
No El Capricho começa tudo discreto e modesto, tudo é simples, puro. E é por isso que ali está provavelmente uma das melhores experiências de carne do Mundo. Posso dizer apenas… memorável?
ps: claro que não me vou daqui sem falar de vinho. O El Capricho tinha lá um Telmo Rodriguez Mencía 2012, de Valdeorras, que também ficou na memória. Ah, e também havia uns legumes e uma salada a acompanhar a Chuleta, mas naturalmente não me lembro de nada disso. O preço é maior do que o Buey, a distância não é pouca, mas a experiência vale os cêntimos e os quilómetros todos.