Vinho

Será que este ano vamos vindimar em Julho?

Perdi a conta ao número de vezes que já fiz a A8, entre Lisboa e Torres Vedras, onde está a AdegaMãe e por isso sei que uma das viagens mais bonitas do ano é entre Março e Abril, sobretudo ali num pequeno troço imediatamente antes da Serra do Socorro. Espreitem. À medida que terminamos a curva à direita e apontamos à reta em jeito de pequeno vale, à esquerda surgem as heólicas e o estradão de terra, os campos cheios de vida e subitamente as linhas de vinha, já bem verdejantes, tornando aquele pedaço de autoestrada algo verdadeiramente incrível!

Há um pequeno detalhe, no entanto. Este ano, em fevereiro, as vinhas já tinham rebentado. É verdade, em fevereiro! E não foi apenas ali. Em fevereiro andava eu na vinha da AdegaMãe preocupado com a água que não havia no solo e reparo nas primeiras pontas verdes a sair pelos gomos dos talões de poda. Nunca tinha visto aquilo tão cedo. Como se não bastasse a falta de chuva, as temperaturas altas fizeram com que a vinha saísse da dormência do Inverno e reativasse o ciclo vegetativo bem antes do habitual. Depois, no Alentejo, igual!

 

 

O clima é que manda. A agricultura, dura, exigente, é um processo de adaptação permanente, cá estamos para isso mesmo, mas ano após ano, os desafios renovam-se e o trabalho nunca perde exigência. As plantas reagem à falta de água, as temperaturas mais altas alteram o ciclo e a produção, de alguma forma, terá consequências. Não se trata de dizer que o ano será melhor, ou pior, nada disso. Cada casta terá a sua reação e no fim cá estamos para procurar as colheitas no tempo certo, tentando garantir que a fruta que entra na adega seja a melhor possível – e até podemos ter grandes surpresas!

De qualquer modo, estamos sempre apreensivos. Veremos agora como decorre a restante primavera, e como será o verão. Voltarão os escaldões dos últimos anos? E depois teremos granizo a destruir os cachos já perto da vindima? Na Borgonha, há uns dias, regressava o sempre preocupante espetáculo das fogueiras no meio das vinhas, em combate às geadas que vêm queimar os primeiros rebentos… Uma parte significativa da produção, 50%, 60% ou vezes mais, pode ficar comprometida logo nesta altura.

 

 

Além desta imprevisibilidade, a viticultura torna-se ainda mais difícil quando condicionada pelo exponencial aumento de custos a que temos assistido, nos materiais, nos combustíveis, em tudo. O vinho é um trabalho sempre heroico, sobretudo em regiões ainda mais desafiantes, pelo relevo, pelo clima, ou por todas as operações envolvidas, por isso fica muito estranho ouvir aquele argumentário de que determinado vinho está muito caro. Enfim, há vinhos caros, claro, há vinhos muito maus e há vinhos muito bons, mas no geral há vinho cujo preço mal paga o esforço envolvido em toda a cadeia.

 

 

Voltando ao início, e tendo em conta como tudo está a evoluir, neste ano de 2022 já estou mentalizado para que as férias de final julho não existam – aí já devo estar a vindimar. 2022 pode mesmo ser a vindima mais precoce de sempre. Até lá, é acompanhar, reagir com o trabalho possível e desfrutar.

E já agora a fica dica: aproveitem as paisagens de vinha nesta altura do ano, não apenas as que estão escondidas a norte de Lisboa, pelas estradas secundárias de freguesia da Ventosa, até São Pedro da Cadeira, ou então pelas vinhas entre a Merceana, o Sobral de Monte Agraço e a Arruda. Claro, façam a mítica Nacional 222 no Douro. No Alentejo, a estrada entre a Vidigueira e Vila da Frades. Ou serpenteiem as encostas de Santa Marinha do Zézere (Baião). A paisagem começa a ser imperdível.