Vinhos de uma vida. O Alfrocheiro 2001 e o extraordinário João Cruz Miranda

Existem grandes vinhos, que se distinguem dos demais, mas existem outros superiores a tudo isso, cravam marcas em momentos especiais da nossa vida. São vinhos memória, que nos dão aquilo que é verdadeiramente importante: os lugares e as pessoas. E como essas memórias nos enriquecem, especialmente agora, nestes dias que correm…
Eis o vinho: Cruz Miranda Alfrocheiro 2001. O vinho é o próprio João Cruz Miranda, paixão em pessoa. Conheci-o quando ainda andava na faculdade, no Instituto Superior de Agronomia. Um dia uns amigos convidaram-me a ir passar um sábado a Mora para conhecer um pequeno produtor alentejano. Para um estudante de enologia não podia haver programa melhor, certo?
À altura, o João Cruz Miranda tinha deixado a administração de uma grande multinacional. E como o seu amor eram os vinhos, montou uma pequena adega em Mora e começou por vinificar umas uvas que comprava lá para o Baixo Alentejo. Entre as suas experiências, vinificou umas uvas de Alfrocheiro e, surpresa das surpresas, com a colheita de 2001 ganhou logo a Talha de Ouro, o prémio que distinguia o melhor tinto alentejano, pela Confraria dos Enófilos do Alentejo!
Volto àquele sábado em Mora. Passaram 20 anos e não mais me sairá da cabeça. É difícil explicar a paixão com que o João Cruz Miranda, naquele dia, partilhava e explicava os seus vinhos. Os detalhes, o processo, a forma como provava… tudo aquilo era por demais genuíno e cativante. E eu, caloiro daquelas coisas, assimilava tudo com veneração. Ali, o João transformou-se para mim numa referência!
Tanto ele como a sua companheira, a Teresinha, tinham feito um curso de adegueiros na Bairrada, onde apreenderam os conceitos fundamentais da vinificação. Depois tiveram a ajuda do Prof. Virgilio Loureiro para os ajudar a desenhar os vinhos que idealizavam. E assim conseguiram criar aquilo que verdadeiramente lhes dava prazer, vinhos feitos com tempo, plenos de elegância, tesouros capazes de valorizar qualquer garrafeira.
Às vezes não nos lembramos do que jantámos ontem. Nesse dia de 2001 almoçámos no Afonso, em Mora. Perdiz à Dona Bia. Com o Alfrocheiro, claro. Infelizmente, o João faleceu uns anos depois. Já eu tive a sorte de guardar umas garrafas desse Alfrocheiro 2001. Os vinhos são as pessoas e por isso mesmo a abertura de cada uma dessas garrafas impôs-se como uma espécie de ritual, em que cada imagem daquele sábado se repete. Que grande vinho. E que grande homem era o João Cruz Miranda.
E os vinhos da vossa vida? Querem partilhar a história?